Arte Subdesenvolvida

O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Belo Horizonte, recebeu no mês de agosto a exposição “Arte Subdesenvolvida”, uma coletânea de trabalhos de mais de 20 artistas que propõe analisar as produções artísticas da década de 30 e início de 1980 e sua direta relação e impacto com a ideia de subdesenvolvimento, condição presente para aqueles que viviam no Brasil naquela época e que infelizmente persiste até os dias de hoje.

Os trabalhos expostos não se limitam apenas a obras, incluem também documentos históricos, fotografias e escritos, além de produções no campo da literatura, cinema, teatro e educação, incentivando a pluralidade das diferentes formas de manifestações artísticas presentes em nossos cotidianos. A mostra conta com trabalhos de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), Hélio Oiticica (1937-1980), Elza Soares (1930-2022), Abelardo da Hora (1924-2014), Candido Portinari (1903-1962), Anna Bella Geiger (1933- ),entre outros grandes nomes. 

“O pão nosso de cada dia”, Anna Bella Geiger, 1978. Saco de papel pardo contendo uma série de seis cartões em preto e branco, 43x13,9 cm.

Com a curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra foi inaugurada no dia 28 de agosto e estará presente até o dia 18 de novembro, ocorrendo nas Galerias do terceiro andar e no Pátio do CCBB. A instituição possui horário de funcionamento de quarta à segunda, das 10h às 22h e a entrada é gratuita, sendo possível adquirir os ingressos por meio da bilheteria digital do museu.

Vista do setor "Estética da Fome", presente na exposição "Arte Subdesenvolvida".

Sendo organizada em ordem cronológica, “Arte Subdesenvolvida” está dividida em módulos temáticos que estabelecem uma continuidade a respeito dos pensamentos e questões presentes nas décadas expostas. 

O primeiro módulo recebe o nome de “Tem Gente com Fome”. Em referência ao poema homônimo de Solano Trindade (1908-1974), este setor apresenta as primeiras discussões a respeito do termo “subdesenvolvimento”, nas décadas de 30 e 40, apresentando obras como de Portinari (1903-1962) e Abelardo da Hora (1924-2014). 

A fome e o brado, Abelardo da Hora, 1947. Bronze, 135 x 60 x 30 cm.

No segundo módulo “Trabalho e Luta”, somos apresentados a diversas obras de artistas de Recife, Porto Alegre e demais regiões nas quais surgiram greves e lutas em busca de melhores condições de trabalho na década de 50. Nele, encontramos artistas como Wellington Virgolino (1929-1988).

Vista do setor "Trabalho e Luta".

Dividindo-se em dois blocos, “Mundo em Movimento” e “Estética da Fome”, o terceiro módulo possui como temática central a instauração do regime militar no ano de 1964 e uma transição entre democracia e ditadura. “Mundo em Movimento” apresenta documentos de instituições como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e Movimento e Cultura Popular (MCP). Já “Estética da Fome” expõe a pobreza como tema central, desde filmes de Glauber Rocha (1939-1981), até obras de Hélio Oiticica (1937-1980). 

Seja marginal, seja herói,Hélio Oiticica, 1968.

 

O último módulo presente, intitulado “O Brasil é Meu Abismo”, nos mostra as incertezas e inseguranças dos artistas em relação ao futuro diante do cenário da ditadura. Foi neste período que vimos a ascensão de cantores como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa.

É a partir da interdisciplinaridade de manifestações artísticas que “Arte Subdesenvolvida” se sustenta e faz jus a seu propósito. Diferentes artistas de diferentes movimentos e formas de produzir se uniram para tornar evidente uma causa em comum de nosso país, em cada uma das épocas em que o subdesenvolvimento pairava. 

Vista do setor "O Brasil é Meu Abismo".

O pátio do CCBB-BH também faz parte da exposição, tendo por toda sua extensão a obra “Sonhos de Refrigerador”, do artista plástico Randolpho Lamonier (1988- ). O espaço não passa despercebido por sua dimensão e é protagonista da mostra. Esse ambiente aborda um olhar contemporâneo para a questão diante das demais perspectivas históricas, encerrando o ciclo cronológico da mostra, evidenciando como o subdesenvolvimento ainda está presente na sociedade brasileira de maneira tão presente quanto em outras épocas.

Randolpho conta que teve a ideia de falar do desejo para tratar da ausência. Ele iniciou o trabalho de criação entrevistando seus pais, e depois, partiu para pessoas desconhecidas. Entrevistou trabalhadores que encontrava em seu dia-a-dia: motoristas de aplicativo, entregadores de comida, comerciantes e trabalhadores de seu condomínio. Segundo o próprio artista, “[…] quem já é rico e já tem tudo, o fato de sonhar, o exercício de sonhar é menos importante, porque está tudo mais fácil. Eu queria saber o que as pessoas que vivem do seu próprio trabalho desejam ter”.

Vista da instalação "Sonhos de Refrigerador", Randolpho Lamonier, 2024.

“Sonhos de Refrigerador” traz dezenas de frases de brasileiros trabalhadores acerca de seus sonhos. Cada trecho ganhou um suporte diferente, como colagens, pinturas, luzes neon, objetos infláveis, entre outros. A obra nos apresenta um pouco dos sonhos de cada um dos brasileiros entrevistados por Lamonier, por menores que sejam, possuem grande importância em suas vidas, e principalmente, um significado forte diante do tema da mostra em que a expõe.

Detalhe da instalação "Sonhos de Refrigerador".